8 de mar. de 2009

Marrons, verdes, cinzas e pretos. [Por Carlos Stein] /// A estrada [Por Geniana]


Não era a fama. Definitivamente não era o dinheiro. O apreço de algumas pessoas e a música ainda eram importantes, mas um dia ele percebeu, quase como uma revelação: era a estrada.
Uma vez contou sobre essa descoberta a alguém. Ele então lhe perguntou: porque você não se torna caminhoneiro ou algo parecido? Não, pensou, transformar isso num modo de ganhar a vida? Nem pensar. Pode matar o encantamento.

Surgiu do nada.

Tinha acordado de madrugada e o ônibus inteiro ainda dormia. Colocou os fones e a música certa. Ele olhou para o céu e então aconteceu. Nada de excepcional. Nenhum brilho no meio das nuvens. Só uma sensação. A sensação de algo maior que ele. Nada sagrado, nem perto disso. Não acreditava nessas coisas.
Foi uma ligação difícil de descrever. Já havia ouvido falar excessivamente de sensações da paz e liberdade, mas se recusava a reduzir essa intensidade a esses lugares comuns.
Era sempre difícil sair. Deixar para trás pessoas de quem gostava e que sentiam falta dele. A estrada, no entanto, era necessária.

Aprendeu a gostar dos dias frios. Os céus eram bonitos, tinham tons rosados e alaranjados. Com o tempo aprendeu a admirar também o azul uniforme dos céus de verão. A luminosidade agressiva dos dias.

A sucessão de verdes e marrons que se tornavam cinzas e pretos ao escurecer.
Gostava da velocidade da estrada. O olhar tangenciava cada árvore, planície, pedras, água. As pessoas no caminho não pareciam ter uma existência concreta. Eram fantasmas na paisagem.

Nada depreciativo nisso.

Também gostava de se imaginar assim, um fantasma. Um ser com uma estranha ligação com aqueles verdes, marrons, cinzas, pretos. Era assim que se imaginava na percepção dos transeuntes. Essa sensação de uma existência fugaz, fugidia, o fascinava. Isso, contudo, não diminuia a conexåo com os – outros - fantasmas, pelo contrário, parecia criar uma espécie de cumplicidade fundada em olhares e gestos.

Enfim, silêncios eloquentes.

Havia as partidas e, lógico, os destinos, e nestes também conheceu pessoas que valia a pena conhecer, que também deixavam saudades. Poucas, nesse longo tempo. Mas havia. Elas também povoavam de imagens os momentos de contemplação.

Mas a sua fascinação era o trajeto. A linha que liga os dois pontos.

Como quase todo mundo, havia construido um sonho em que harmonizava o seu desejo de autonomia e a humana necessidade de relacionamento com as outras pessoas. Não percebeu, no entanto, que a estrada havia construido uma harmonia baseada em ausências, onde as relações, as pessoas e a própria autonomia eram idealizadas. Um mundo paralelo. Quase perfeito.

Havia vivido muito tempo sozinho. Elaborou mecanismos para administrar sua dificuldade nos relacionamentos. Isso foi na adolescência, mas de alguma forma esses mecanismos voltavam a funcionar. Um campo de força se acionava automaticamente, independente da sua vontade.

Impossível negar a sensação de conforto que isso trazia. A droga nas mãos do viciado.

A estrada representava essa noção de perfeição e conforto. O símbolo da transitoriedade, uma metáfora da vida, mas também uma fuga.

Uma fuga de quê?

Nem ele sabia exatamente.

Sabia que havia uma existência real, concreta, e uma ideia de existência.
Sabia que existia uma origem e um destino e que a estrada, de formas imprecisas, com suas cores e imagens mutantes, escrevia a sua história.

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Foto: No avião em algum lugar entre Porto Alegre e Salvador (18/01/2009)

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Após ler esse relato dessa pessoa que já admirava [Carlos Stein], consigo entender um pouquinho mais o motivo pelo qual ele desperta essa identificação em mim...
Identifiquei-me com praticamente todo o texto e acredito ter compreendido sua essência [ou a minha a partir dele]... Até hoje não sabia muito bem o porquê a estrada me fascina tanto... Creio que ele conseguiu despertar um pouquinho, abrir o caminho para um insight maior, que ainda não aconteceu completamente, mas acredito estar no caminho
[Opa, estou na estrada! Ebaaa!]...
Acima de tudo, cada viagem que faço é para dentro de mim mesma... Conhecer o lugar, a cultura, novas pessoas, amizades, admirar a beleza da natureza, ..., é parte da viagem... Mas entender como eu me comporto nessas situações, o que cada vivência nova desperta em mim, o que cada pessoa desperta é a mais fascinante das viagens... Talvez seja isso mesmo: a estrada me leva para dentro de mim mesma! Desperta tantas emoções, me leva a lugares desconhecidos do mundo e do meu mundo...
Não é apenas uma metáfora da vida, mas acredito que é uma projeção de como encaro a vida, a partir dessa relação que estabeleço com a estrada -> UMA GRANDE AVENTURA! O que não implica numa necessidade de ser caminhoneiro, no caso do Carlão, como ele mesmo disse, e acho que no meu caso também... Apesar de nunca ter pensado nessa possibilidade... hehehehe

Mas, sinceramente, queria muito levar a vida diária da mesma forma como a vivo na estrada... Queria sentir todos os dias o verdadeiro êxtase que sinto durante as viagens... E por isso muitas vezes em casa sinto-me frustrada, introspectiva, querendo viver apenas em meu mundo, porque é nele que posso reviver essas emoções... É tão complicado voltar ao "mundo real" depois de uma viagem tão intensa!!! Mas garanto: nunca volto a mesma! Em cada retorno, não vejo a minha casa da mesma forma, porque não sou a mesma! Não vejo mais meus amigos, meus familiares, meus cachorros, meus gatos, minhas flores, ..., da mesma forma, porque nem eu e nem eles somos mais os mesmos! A metamorfose ocorre em cada viagem e cada retorno é único... E cada nova partida também é única, por isso gera tanta ansiedade, tantas expectativas... E tenho a "sorte" de que cada nova viagem que faço é mais, e mais, e mais emocionante que a anterior... Surpresas sempre... Em todo o caminho que percorro... Boas ou não tão boas sempre são bem-vindas, pois me ajudam a crescer... O que é cada viagem para dentro de si mesmo senão um descobri-se constante? E o descobrir-se, conhecer-se não é crescer, evoluir? Acredito que sim... É por isso que concordo plenamente com aquela frase: "Não tenha medo de ir devagar... Tenha medo de ficar parado!". E assim como o Carlão, acho fascinante o trajeto, a linha que liga os dois pontos...
E uma coisa posso garantir: minha vida é uma aventura. Não nasci para ser estanque, ficar parada, no marasmo! Só não entendo como ainda tem gente que acha a vida uma aventura desinteressante.... Pelo menos eu vivo... Intensamente!!!

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