29 de abr. de 2011

E tudo virou um grande Bullying - Tico Sta Cruz

A palavra da moda.
Me lembro quando era criança, dentuço, magricelo, motivo de brincadeiras por parte de muitos colegas de classe e não tinha essa palavra para me defender. Lembro que outros colegas tinham apelidos também, gordinhos eram baleias, rolha de poço, quem usava óculos era quatro olhos e blábláblá, todo mundo sabe os apelidos que dão e como isso sempre existiu e nunca foi motivo para justificar nenhum comportamento doentio. Minha mãe dizia que deveria resolver isso por minha conta, aprender a me defender e a não deixar que as brincadeiras tivessem um peso maior do que o que de fato tinham. Dizia também que brincadeira de mal gosto é sacanagem, e na verdade acho que o Bullying nada mais é do que a americanização da “Sacanagem”.
Acho que deve haver um limite sim. Contra a covardia, contra a violência física e moral. E concordo que os responsáveis por atitudes que possam causar danos graves, tanto físicos quanto mentais a um indivíduo sejam devidamente punidos. Mas, precisamos tomar cuidado para não formarmos uma geração de vítimas do destino. De crianças e jovens super-protegidos que se escondem atrás de seus pais ou de qualquer outro tipo de “protetor” que interfira na sua capacidade de aprender a se defender, a se conhecer e a se impor como ser humano. Caso o contrário corremos o risco de nos tornamos uma sociedade dependente de um sistema controlador que poderá criar seres incapazes.
Foi então que comecei a pesquisar e fazer Bullying com o Bullying.
Um caso clássico de Bullying é o do Patinho feio. Quem conhece a história do Patinho feio? Rejeitado pela mãe, esculhambado pelos irmão e por outros patos, no final descobre que não é Feio que é diferente, que se trata de um Cisne.
Minha geração conviveu com o Bullying exposto na TV, nos desenhos animados. O Pica Pau, o maior praticante de Bullying da história e o Coiote o “Bulinador” que mais falhou em sua missão.
Na linha de raciocínio atual, equivocada a meu ver, tudo se justifica como Bullying ou por consequência dele. O que banaliza o que de fato esta excedendo os limites e cria um parâmetro perigoso de comportamento social, de modo geral.
Recentemente o Senador Requião disse que estava sofrendo Bullying da Imprensa. Então pensei: o Povo Brasileiro esta sofrendo Bullying há séculos dos parlamentares e objetivamente praticando Bullying contra si mesmo quando vota errado. A Igreja pratica Bullying contra o Diabo, O Diabo pratica Bullying contra os seres humanos, os Seres humanos praticam Bullying contra a natureza, a Natureza que não aceita este tipo de comportamento quando revida o Bullying... é o caos. E assim já vi gente dizendo que os Romanos praticaram Bullying contra Jesus Cristo e esquecem que se Jesus Cristo não tivesse sofrido Bullying dos Romanos, toda a Humanidade sofreria um Bullying coletivo de alguém que viria para nos destruir, afinal de contas, Jesus morreu para salvar os homens.
O cachorro pratica Bullying no gato, o gato no rato, o rato na aranha, a aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar.
A própria palavra Bullying pode ser considerado um Bullying contra a língua portuguesa, pois seu uso e origem não pertencem a nossa cultura.
Essa brincadeira toda é só para mostrar o quanto o uso indevido de algo que deve ser repensado pode se voltar contra aqueles que fazem estardalhaço com um comportamento que faz parte da natureza humana e sempre fez.
Como disse no início do texto, precisamos estar atentos aos excessos, mas não podemos pensar que o mundo é uma fantasia da Disney e que nossos filhos não estejam sujeitos a passar por dificuldades e constrangimentos.  Se banalizarmos essa questão, como objeto de comercialização de notícias e especulações e principalmente criando uma geração que se comporta como vítimas de tudo, certamente alguém se aproveitará desse comportamento para controlar e oprimir ainda mais aqueles que aceitarem tal condição.
Vamos ficar atentos.

[Originalmente postado aqui.]

28 de abr. de 2011

Foi você, não eu, quem buscou - Caio Fernando Abreu

‘Não queria, desde o começo eu não quis. Desde que senti que ia cair e me quebrar inteiro na queda para depois restar incompleto, destruído talvez, as mãos desertas, o corpo lasso. Fugi. Eu não buscaria porque conhecia a queda, porque já caíra muitas vezes, e em cada vez restara mais morto, mais indefinido – e seria preciso reestruturar verdades, seria preciso ir construindo tudo aos poucos, eu temia que meus instrumentos se revelassem precários, e que nada eu pudesse fazer além de ceder. Mas no meio da fuga, você aconteceu. Foi você, não eu, quem buscou’.
             .

Nunca amamos ninguém - Fernando Pessoa


Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém.
É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isso é verdade em toda a escala do amor. 
No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho.
No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.

16 de abr. de 2011

Não importa o que fizeram de nós; importa o que fazemos do que fizeram de nós...

Não é tão simples discutir o que seja a consciência e a consciência social. Para alguns, viver em sociedade é estar aí, fazer o que nos mandam, seguir o que aprendemos, não reclamar, ter paciência e achar que tudo isso é o normal e único possível. 
Já para outros, que penetram nos “mistérios” de uma sociedade, que procuram respostas à pergunta “Quem sou eu? Por que as coisas que me rodeiam são assim?”, vão se dando conta e mergulhando mais fundo nesses mistérios; 
percebem que nada disso caiu do céu; 
que há interesses por detrás das coisas; 
que as coisas foram pensadas por alguém para serem assim, até as aulas de Matemática; 
que eu não posso deixar de agir: tudo o que eu faço é ação; que eu não posso ser “neutro”, que dizer-se neutro é uma ingenuidade; 
que eu estou em tal “caixinha” da sociedade não por acaso, mas porque há determinados mecanismos que me colocam ali, mecanismos esses que se originam das relações que se dão entre as pessoas e grupos; 
e que se criam instituições numa sociedade, que podem ter como objetivo enquadrar-me em determinadas situações, sem que eu me dê conta do que estão fazendo de mim. 
Pode-se, então, concluir que é possível crescer em consciência; e que é ela que me torna mais livre e responsável. 
Como dizia Sartre: “Não importa o que fizeram de nós; importa o que fazemos do que fizeram de nós”. 

(Guareschi, Pedrinho A. (2004). 
Psicologia Social Crítica: como prática de libertação. 
Porto Alegre: EDIPUCRS).