8 de jan. de 2010

Agulhas invisíveis - Gilberto Bueno Fischer *

A opinião pública ficou chocada com a história da criança que foi espetada com agulhas em diversas partes de seu corpo e que teve que fazer diversas cirurgias para removê-las. A comoção foi semelhante àquela verificada no ano anterior quando uma criança foi jogada pela janela pelo pai e por sua madrasta (ao que se sabe). Esses eventos caracterizam o extremo da agressão à criança, que, infelizmente, tem um espectro muito maior do que o que é percebido pela maioria das pessoas (exceto as que lidam com esse assunto em seu dia a dia). A demonização dos autores de tal barbárie determina uma espécie de sentimento no qual a culpa da agressão a crianças fica focada em apenas algumas pessoas.

Infelizmente, muitas agulhas invisíveis são espetadas em crianças diariamente, por pessoas aparentemente saudáveis mentalmente e em diversos níveis sociais. Ações agressivas mais lentas e de resultados tardios são infligidas a crianças através de atitudes que fazem parte da rotina das pessoas.

Uma gestante que fuma está expondo o feto a uma série de produtos tóxicos que levarão o bebê a nascer com um pulmão deficiente, o que pode favorecer inúmeras doenças já no primeiro ano de vida. Outro produto tóxico recente que tem deixado muitos recém-nascidos vulneráveis a uma série de danos físicos é o crack. Já se acompanham em ambulatórios e em maternidades bebês sofrendo de sintomas graves por terem sido expostos a esse tóxico durante a gravidez.

Outra agulha invisível aplicada em crianças de maneira lenta é decorrente da exposição da criança a familiares alcoolizados que demonstram, através de atitudes, agressividade e comportamentos inadequados diante delas. Pais que permitem (e até incentivam) festas regadas a álcool em suas próprias casas em aniversários de pré-adolescentes ou de adolescentes estão espetando agulhas “comportamentais” em seus filhos. Os pais que demonstram através de atitudes violentas no trânsito que não respeitam regras estarão promovendo uma deseducação em seus filhos, o que é uma forma sutil mas “eficiente” de agressão de efeito lento, mas, muitas vezes, permanente.

Portanto, ao nos defrontarmos com situações-limite de agressão, temos que lembrar que, muitas vezes, ações violentas sutis estão sendo impostas a crianças sem que mereçam manchetes e que a preservação da saúde física e mental da criança passa por uma série de ações educativas preventivas que temos que cultivar continuamente.


* Médico pediatra, professor titular de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre

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