22 de set. de 2009

A MORTE E O MORRER

"Não há como escapar, durante a vida, de alguns acontecimentos que avassalam nossa alma: são os momentos de perda. A vida é feita de ganhos, a começar pelo próprio nascimento, e de perdas, como a morte. Os sentimentos que acompanham a separação de alguém significativo são dolorosos, mas inevitáveis e necessários. É um profundo vazio entrelaçado com muita angústia. É como se estivéssemos morrendo juntos. E, efetivamente, alguma coisa morre dentro de nós quando perdemos a pessoa amada. A ausência não escolhida cria uma falta, um fosso ao qual respondemos com muita tristeza. E é natural que sintamos assim. É o luto, muito necessário à elaboração do fato e à acumulação de força para prosseguir na vida. O luto tem por objetivo nos ajudar na reorganização da vida, abalada pela inevitável certeza da existência da morte.

Num ambiente cultural em que fomos acostumados a negar a morte, de mil e uma formas, deparamo-nos com a consciência da transitoriedade humana. A própria finitude remete-nos a um silêncio interno doloroso frente ao mistério da vida e da morte. Rasgaram-se os véus e nos encontramos diante de um espelho a nos
refletir como passagem, como limite, como fragilidade e como morte. Consentir na dor, na perplexidade e na estranheza é o primeiro passo da travessia. Isso exige paciência para evitarmos a tentação inicial de negarmos a perda. Sair muito rápido do furacão pode acarretar sintomas de persistência e perpetuar por anos os sentimentos não resolvidos de saudade, tristeza ou revolta.

A morte é também a grande oportunidade de aprendizado. A morte é nossa principal aliada do crescimento e reformulação de vida. O luto só termina quando aprendemos tudo o que deve ser aprendido com aquela realidade. Tenho enveredado por dois caminhos internos: a certeza de que o sofrimento vai passar e a reflexão de todos os ensinamentos transmitidos pela minha mãe com sua forma de viver. Eu sei que a noite só escurece até a meia-noite, depois começa a clarear.

Todos os que passaram por grandes perdas sabem que um dia a tristeza se transformará em renovação e desejo de prosseguir. O sofrimento fecha o coração para novas experiências e para novas pessoas apenas por um tempo. Se tudo na vida é transitório, incluindo pessoas amadas, porque a tristeza, a angústia e o desespero serão definitivos? Transformar a pessoa que morreu em fonte de aprendizado e não perpetuá-la como objeto de sofrimento. Dela estou estudando algumas lições:

- Seguir, com simplicidade, o rio da vida. Em contradição à complexidade da vida social, a simplicidade na vida instaura a possibilidade da paz, do desapego e do fluir nas águas do rio. Nadar a vida ao invés de lutar contra a corrente.

- Saber receber e agradecer sempre. A vida é acolhimento. Poucos sabemos receber. Exige humildade. O agradecer constante se contrapõe às lamentações. Desejar uma vida perfeita, isenta das quedas, das perdas, dos erros nos coloca em estado de luta. A gratidão à vida com suas luzes e penumbras alarga o coração e nos faz parceiros na construção da existência. Quando nos tornamos útero, todas as sementes frutificam em nossa alma e evoluímos com o bom e o ruim de nossa trajetória.

- Observar, sem julgar. A maior parte de nosso sofrimento vem da nossa insistente propensão ao julgamento. "Não julgueis". O controle, a posse, a tentativa de mudar as outras pessoas, a resistência à realidade são formas de nos colocar superiores à vida e pagamos isso com intranqüilidade, ciúme e conflitos.

- Rir e brincar. Diante da morte, fica claro que a vida é uma brincadeira. A jovialidade e alegria são os propósitos da vida já que ela é por definição e por natureza, alegre, e celebrativa. A alegria ameniza o caminho e nos conduz a felicidade.

- Amar a Deus e confiar nele. A espiritualidade e a religiosidade nos põe de frente com o mistério e nos faz aceitar o verdadeiro tamanho da natureza humana. O amor a Deus e a confiança nele são os principais instrumentos de realização de nosso destino: a unidade universal.

- Admirar e não cobrar. A capacidade de admirar o mundo e as pessoas alarga nossa alma e nos torna dançarinos da vida, ao contrário dos que cobram e se posicionam em conflito com as pessoas. Crescer e adaptar-se à realidade é o único caminho para lidarmos com as diferenças e individualidades.

- Saber morrer. O maior de todos os ensinamentos que os pais podem transmitir aos filhos é a morte. Saber morrer é próprio dos que sabem viver. A morte não é um ponto. É um processo e conseqüência da vida. É um passo adiante na eternidade da vida, que é muito maior que a existência humana. Passar pela travessia é apenas perpetuar a graça de pertencer ao cósmico e continuar uma trajetória que, embora não a compreendamos totalmente, temos de percorrê-la."


Antônio Roberto Soares

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