31 de out. de 2009

Educamos para o crack

ARTIGOS

Educamos para o crack, por Jacson Hübner*

Não há jornal, revista, rádio, televisão, ou seja lá qual forma de comunicação, que pelo menos uma vez no dia não fala das consequências do crack, de um filho que foi amarrado pelos pais, de furtos e homicídios que tenham alguma relação com esta droga que nos impressiona diariamente, telespectadores passivos de um tsunami que não era esperado por muitos e muito menos imaginado por tantos.

Pois é, ao mesmo tempo em que essas notícias acontecem, comentaristas, apresentadores, médicos, pais, mães, todos se perguntam o que fazer, mas como lidar, de onde veio. Porquês!!

Várias respostas aparecem, com as mais variadas teorias, e todas muito bem embasadas. O álcool, que serve como grande porta de entrada, disfarçado entre rótulos e um marketing milionário das cervejas, pregando um comportamento pré-requisito para o sucesso, de inserção social, que o jovem em muito se identifica. A maconha, no momento com a polêmica questão da legalização, com opiniões em todos os níveis, em que até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se atreve a dar entrevista em tom de “eu acho que”. Expressão comum em momentos de desespero, quando “todos sabem o que fazer”. E por aí vai.

O interessante é que um velho assunto se mantém quieto, escondido em meio a tantas possibilidades “maiores”, pomposas, em meio a tanta gente importante que do nada passou a ser “expert” em dependência química, digno de discursos em congressos sobre a área. Mas chama atenção o fato de ninguém lembrar que o tempo em que essa droga vem se instalando tem certo nexo com o tempo de estafa em que nossa educação vem cambaleando em meio a salas de aula precárias, péssimas condições de transporte para alunos, resultados estapafúrdios em exames nacionais de aferição, níveis astronômicos de analfabetismo etc. Não consigo me surpreender com o impacto desse alvoroço quando observo que um professor recebe em folha R$ 600, sem qualquer incentivo de atualização em sua área, sem benefícios ou uma carreira digna, sem reciclagens constantes e outras formas de estímulo para produção científica, tão visto em outras áreas.

Em cima disto cabe a pergunta, observando por este ângulo da educação, se o crack é tão surpresa assim, é tão injusto do ponto de vista social, ou pagamos por um problema de que nunca efetivamente reclamamos, dentro de nossa histórica inércia brasileira, na qual nosso maior movimento de revolta se resume a algumas lástimas em frente ao Jornal Nacional. Às vezes, na vida, as soluções não são enxergadas por parecerem simples demais para resolver problemas tão impressionantes.


*Médico psiquiatra

Artigo publicado no Jornal Zero Hora de 31/10/2009

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