3 de fev. de 2011

Superação da família nuclear cria novos modelos de relacionamento

 Não há árvore genealógica que dê conta de explicar famílias com vários divórcios, novos casamentos, meio-irmãos e agregados.
Essas famílias, cada vez mais comuns nas estatísticas, não são nada parecidas com aquelas do comercial de margarina.
"O conceito de família nuclear (com pais e filhos na mesma casa) não é mais suficiente. Há arranjos domésticos sem nenhum padrão", diz a socióloga Elisabete Bilac, do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp.
As mudanças aconteceram nas últimas três décadas. Nos anos 1980, 70% das famílias eram nucleares. Hoje, menos da metade é assim.
Se a "família margarina" está cada vez mais rara, as monoparentais (com apenas pai ou mãe) são as que mais crescem. Efeito prolongado da popularização do divórcio, dizem especialistas.
Também são mais comuns os casais que decidem não ter filhos. Em inglês, são chamados de casal Dink, sigla para dupla renda sem filhos ("double income no kids"). No Brasil, já são 17% do total, segundo o IBGE.
"É uma grande mudança em pouco tempo", diz José Eustáquio Alves, demógrafo da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. "Houve uma inversão demográfica. Temos menos filhos, demoramos mais para tê-los e vivemos mais."
Isso somado às novas formas de relacionamentos deu origem a famílias diferentes do padrão tradicional.
Mônica Fontes, professora, 33, e Thiago Fernandes, publicitário, 34, são um casal LAT ("living apart together", ou vivendo juntos separados). São casados, não no papel, têm um filho de 5 anos e vivem em casas separadas.
"Meu filho pergunta por que estamos separados e nos beijamos, e os pais dos amigos dele estão separados e não se beijam", conta a mãe.
Não é uma escolha do casal. Com tantas mudanças de emprego e de cidade, nunca conseguiram morar juntos. Neste ano, enfim, pretendem dividir a mesma casa.
"Vai ser uma mudança radical", diz o pai.


NÃO IDENTIFICADO


De acordo com a terapeuta Cristiana Gonçalves Pereira, do Instituto de Terapia Familiar de SP, não existe uma definição para o termo família.
"Cada um diz quem é a sua família. A definição está no discurso. É isso que vale."
O problema da indefinição está também nas novas formas de relacionamentos afetivos. Isso porque entre o namoro, o noivado e o casamento, há inúmeras possibilidades de relacionamento que não estão no dicionário.
O Facebook já tem nove opções de estado civil, entre elas, amizade-colorida e relacionamento enrolado.
Segundo a antropóloga e colunista da Folha Mirian Goldenberg, a sociedade não consegue acompanhar o ritmo dos relacionamentos.
"Essas relações não são consideradas legítimas. Isso gera um incômodo."
O problema continua em famílias com vários divórcios e "meio-parentes", como ex-tios ou novas avós.
A filósofa Fernanda Carlos Borges, autora de "A Mulher do Pai" (Summus Editorial, 136 págs., R$ 31) está no segundo casamento.
"Sou a mulher do pai. A mãe dos filhos do meu marido é viva e mora com eles. Não sou madrasta e não sou parente das crianças, que direitos e deveres eu tenho?"
Para ela, a falta de nome para esse papel é um sinal de que a relação é mal resolvida.
"Assumimos responsabilidades sem muitas garantias. É fácil surgirem conflitos."
Famílias como a de Fernanda Borges são chamadas de mosaico -quando pais separados se casam novamente e seus filhos convivem mesmo sem ser parentes.
O menino Daniel Mantelatto Gallo, 10, é um dos vértices de um mosaico que, para entender, só desenhando.
Ele é filho único e tem cinco meio-irmãos. Sua mãe, a escritora Fernanda do Valle, 32, é casada há três anos. Seu marido já tinha duas filhas de outro casamento.
O pai de Daniel também já tinha um filho quando ele nasceu e acabou de ter outro. O avô dele se casou de novo, e sua mulher está grávida.
Quando questionado sobre como ele chama as ex-mulheres do seu pai ou então sua nova avó, ele diz: "Pelo nome, ué".
Há quem fale no declínio da instituição familiar. Para a antropóloga Lia Zanotta Machado, da Universidade de Brasília, acontece justamente o contrário.
"Fala-se em declínio porque o principal modelo de vida não é mais o único. Mas a família está mais forte com os diferentes arranjos."
Mesmo comuns, esses novos arranjos ainda causam estranhamento.
"Há um preconceito e um moralismo. A família nuclear ainda é considerada a ideal", afirma Maria Coleta de Oliveira, socióloga da Unicamp.
Quando a locutora Joana Ceccato, 40, solteira, conta que está grávida de gêmeas graças a uma fertilização in vitro, sempre escuta: "Como assim?"
"Todo mundo já ouviu falar, mas nunca viu de perto."
O pai das gêmeas é um ex-namorado de dez anos atrás, que hoje é apenas amigo.
"Ele é meu vizinho e nos damos bem", afirma.
Segundo a terapeuta familiar Flávia Stockler, não importa como os filhos são gerados nem qual o grau de parentesco entre eles, mas como a família lida com isso.
"Qualquer opção pode funcionar ou não. Uma família tradicional pode criar monstrinhos e um casal no segundo casamento pode se sair muito bem", afirma.
Para ela, o que importa é a qualidade do vínculo. "É preciso manter as relações de respeito e o diálogo. Mesmo com brigas ou separações."

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