Elas correm riscos que os homens não correm |
O final do filme se
aproxima. A mocinha, meio cega de emoção e lágrimas, acelera o carro para
salvar o homem que ama. Enquanto ela voa em zig-zag pelas ruas, fura faróis e
ameaça pedestres, me ocorre no escuro do cinema uma frase pronta: ela guia como
uma mulher apaixonada. Além de ser uma descrição justa da cena, talvez haja
nessa ideia uma verdade mais geral - mulheres apaixonadas, não só nos filmes,
fazem coisas perigosamente impensadas.
Conheci uma mulher que
rompeu um casamento na França e foi viver em Nova York com um cara que ela só
conhecia pela internet. Conheci uma moça grávida que se apaixonou por um moço
mais jovem e trocou de marido no meio da gravidez. Conheci uma mulher
recém-casada que inventava viagens de trabalho para passar uns dias com uma
paixão inacabada. São muitas histórias e elas todas se parecem num ponto:
mulheres apaixonadas correm riscos e fazem coisas que os homens, boa parte das
vezes, não têm coragem ou disposição de fazer.
Claro, há homens
românticos que saltam para a vida sem para-quedas, mas a mim parece que as
mulheres são a maioria nesse pelotão, e vão mais fundo. Enquanto o homem,
cautelosamente, tenta manter o pé em duas vidas e pondera sentimentos e reações
alheios, as mulheres se atiram. Para fora de casa, para a rodoviária, para o
desconhecido. Avançam em direção à miragem que paira na outra ponta da corda,
muitos metros acima do abismo. Querem a felicidade.
As heroínas de filmes
e romances sempre dão lições de coragem aos homens. Alguém se lembra de
“Pecados íntimos”, com Kate Winslet? Na última cena do filme ela espera pelo
amante com quem vai fugir e deixar tudo para trás. Ele não aparece. É mais ou
menos o desfecho enfrentado no século XIX por Emma Bovary, a adúltera do
romance de Gustave Flaubert. Outro dia revi o filme “1984”, baseado em um dos
meus romances favoritos, escrito por George Orwell. La está Julia, a jovem que
se rebela contra o totalitarismo por meio do sexo e do amor, e arrasta seu
amante com ela. Todas essas personagens são almas mais livres que seus
parceiros – e se inspiram em comportamentos femininos reais.
De onde vem esse romantismo
terminal das mulheres? Eu não sei, mas ele está lá, desde que elas são
meninas. Talvez seja apenas um traço cultural – quando todas as formas de
realização públicas eram proibidas, o amor, a busca da felicidade íntima, era o
que restava. Mas o mundo (ao menos a nossa parte do mundo), não é mais assim.
As mulheres podem se dedicar ao trabalho, ao poder, ao dinheiro. Não precisam
mais casar ou ser mães. Podem viver sozinhas se assim quiserem, voltadas 100%
ao aprimoramento do espírito ou dos glúteos. Mesmo assim, o romantismo não
desaparece. A necessidade de amar e ser amada (intensamente) continua. Aos 20,
aos 30, aos 40, aos 50, aos 60 anos...
Um evolucionista
poderia dizer que nos genes femininos está escrita a urgência de encontrar o
parceiro perfeito para a procriação, por isso as mulheres conferem prioridade
absoluta ao amor e seu termômetro mais evidente, à paixão. Mas isso não explica
as mulheres que trocam procriadores competentes e responsáveis por outros
homens (frequentemente sem essas qualidades), que pareçam mais interessados
nelas. A sobrevivência da espécie não requer isso, mas a sanidade das mulheres
talvez exija.
Minha impressão é que
todos precisamos de ilusões.
As ilusões dos homens
parecem estar ligadas ao sexo. Se formos capazes de seduzir, de conquistar, de
transar, então estaremos satisfeitos. Claro, há um universo de sentimentos que
não estarão atendidos, mas o impulso masculino parece ser na direção de
resolver a vida pelo desejo, realizar-se pela satisfação constante no sexo. Não
acontece, mas a quimera nos move adiante. Com as mulheres a ilusão é afetiva. O
grande amor, o grande romance, a paixão redentora. A vida parece se resumir a
isso. Assim como a sedução permanente dos homens, a fantasia romanesca das
mulheres raramente se materializa – mas isso não a torna menos universal ou
importante.
Qualquer que seja a
origem do arrebatamento feminino, os homens não sabem lidar com ele. As emoções
exacerbadas das mulheres nos assustam e, secretamente, nos envergonham. Temos
inveja dessa intensidade de sentimentos. As piadas constantes que fazemos sobre
“a loucura” das mulheres revelam algo do nosso constrangimento. Nós, que vira e
mexe nem sabemos o que estamos sentindo, somos forçados a lidar com gente
apaixonada que nos olha nos olhos e exige respostas.
Claro, há mulheres
realmente perdidas, malucas, criaturas incapazes de diferenciar os seus desejos
da realidade. Todo homem adulto já topou com uma dessas. Ama e não percebe que
não é amada. Quer e não percebe que não é querida. Às vezes, não aceita que
acabou aquilo que mal havia começado, e faz cena – em vez de fazer as unhas e partir
para outra.
Mas o comportamento
das mulheres transtornadas não justifica a cautela masculina. O sujeito que se
atira ao sexo e não encontra sentimentos encena um clichê triste. Ele tem algo
a aprender com a capacidade das mulheres de se entregar e correr riscos. Não
precisa pegar um carro de madrugada e sair voando para provar que ama – mas não
deveria deixar sua heroína esperando sozinha, na chuva, por um amante que não
tem certeza do que sente e não consegue decidir o que quer.
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