A capacidade de amar,
assim como a coragem ou a inteligência, não é do mesmo tamanho em todos nós. Eu
sou forçado a lembrar disso todo vez que converso com S., uma amiga de Brasília
que é, possivelmente, a mulher mais apaixonada do mundo.
Quando falamos, na
semana passada, ela estava em preparativos para um novo casamento. Conheceu o
rapaz há poucos meses, está profundamente envolvida e, sem temor aparente, se
prepara para iniciar uma vida comum. Não é a primeira vez que ela faz isso e é
provável que não seja a última, mas, assim como no passado, avança para o
casamento com a convicção tranquila de que, se alguma coisa der errada, não
será por falta de amor, lealdade e dedicação da parte dela.
Ao contrário da minha
amiga, que tem uma facilidade até exagerada de se vincular, muitos de nós
sofremos do oposto: uma enorme dificuldade em criar ligações profundas e
verdadeiras. O sintoma mais comum é que vivemos atormentados por dúvidas sobre
a intensidade e a profundidade dos nossos sentimentos. Quem tem uma conexão
emocional profunda não se pergunta a todo o momento se deveria seguir em frente
ou tentar com outra pessoa.
Muitos acham difícil
construir mesmo essa ponte precária em direção aos outros. Há pessoas para quem
o ato de se entregar emocionalmente nem existe. Elas sentem-se de alguma forma
isoladas mesmo sendo parte de um casal. Gostam, compartilham, respeitam,
transam intensa e prazerosamente, mas não se sentem vinculadas. Há uma barreira
invisível de privacidade que jamais é rompida. Persiste a sensação de que o
outro é fundamentalmente um estranho. A delícia de sentir-se íntimo, que na
minha amiga é natural como respirar, nunca foi experimentado de forma duradoura
por milhões de pessoas.
Quando penso em mim e
nas pessoas que conheço intimamente, me parece que existe uma progressão que
vai dos apaixonados incondicionais às pessoas que não conseguem se vincular – e
que a maioria de nós se encontra emocionalmente em algum ponto entre esses dois
extremos. Temos graus variáveis de dificuldade para amar e sair de nós mesmos,
mitigados por períodos de entrega e arrebatamento.
De qualquer forma, a
ideia de que somos todos iguais diante do amor, e que a única dificuldade está
em encontrá-lo, me parece falsa – ou pelo menos exagerada. Postos diante da
possibilidade do amor, uns não conseguirão reconhecê-lo e outros terão impulso
de afastar-se. Poucos serão capazes de abraçá-lo assim que ele virar a esquina.
Somos diferentes também nisso.
Se pensarmos na
dificuldade de se vincular como um problema, ele talvez seja mais comum entre
os homens (embora eu conheça mulheres que também preferem manter-se a uma
distância emocional segura). Quantos caras você conhece que trocam
periodicamente de parceiras sem estabelecer um vínculo real com qualquer uma
delas? Esse tipo de comportamento pode ser tanto o resultado de uma opção
social quanto de uma deficiência emocional. Talvez haja alguma verdade no
clichê rancoroso sobre “homens incapazes de amar”.
As causas dessas
dificuldades são, para mim, insondáveis, mas me parece óbvio que o caos
interior e a ansiedade em que boa parte de nós vive não ajuda a gostar de
ninguém. Como criaturas tão atormentadas por seus próprios demônios
conseguiriam reunir a atenção e a generosidade que o amor exige? É fácil
proclamar-se apaixonado ou apaixonada a cada esquina, de forma imaginária e
histérica. Mas manter um afeto duradouro na vida real exige mais do que
pirotecnia e rock and roll. Exige sentimentos profundos que alguns de nós não
são capazes de oferecer.
As consequências da
dificuldade de amar são óbvias. A primeira é o sofrimento que ela impõe aos
parceiros. É duro lidar com alguém que não está 100% ali. É chato confrontar-se
com a hesitação de quem não sabe o que sente. Dói lidar com a aspereza de quem
não consegue se coloca na pele do outro – ou não permite que o outro entre sob
a sua própria pele.
É evidente, também,
que gente com dificuldade em se entregar não tem relações satisfatórias. Para
que elas existam, os laços afetivos têm de estar ancorados em algo mais sólido
do que os nossos desejos imediatos, que variam de um dia para o outro. Mas a
criação de laços duradouros não se faz por um ato de vontade. É preciso ser
capaz de gostar, amar e confiar. É preciso sentir-se parte de algo - e alguns
de nós, muitos de nós, não conseguem sentir-se parte de coisa nenhuma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário