24 de fev. de 2012

Crianças institucionalizadas apresentam comportamentos perturbados de vinculação

Uma investigação da Escola de Psicologia da UMinho revela que mais de metade das crianças institucionalizadas exibe padrões atípicos de vinculação, isto é, apresenta dificuldades na criação de laços com os cuidadores institucionais. Esta realidade parece estar associada à escassez de cuidadores nas instituições, que não permite uma individualização dos cuidados prestados. Joana Silva, recém-doutorada em Psicologia, afirma que a solução está na promoção de alternativas provisórias com um cariz “familiar”. Investir na qualidade do ambiente relacional das instituições e em novas formas acolhimento familiar exige um esforço financeiro muito elevado, mas pode representar um ganho significativo a médio ou longo prazo na saúde e no bem-estar destas crianças, sublinha.
 
Este estudo, intitulado “Desorganização e Comportamentos Perturbados de Vinculação num Grupo de Crianças Portuguesas Institucionalizadas”, é pioneiro em Portugal, já que atenta exclusivamente em crianças com idades compreendidas entre os 12 e 30 meses. O objetivo foi perceber de que forma estas crianças organizam os seus comportamentos de vinculação com os cuidadores dos centros de acolhimento. Além disso, pretendeu analisar o impacto da prestação de cuidados no desenvolvimento da criança. Foram avaliados 85 bebés de 19 centros de acolhimento do Norte do país.
 
A investigação mostra que metade das crianças tem comportamentos perturbados de tipo indiscriminado, 29 por cento apresenta comportamentos de tipo inibido e 29 por cento manifesta comportamentos de distorção de base segura. “O comportamento indiscriminado é seguramente aquele que tem sido verificado com maior frequência, mesmo na investigação internacional”, afirma Joana Silva. “A híper-sociabilidade e a abertura excessiva a pessoas desconhecidas são comportamentos de risco para a própria criança. Este comportamento traduz-se numa incapacidade por parte da criança de se proteger, tornando-a mais vulnerável a abusos ou a manipulações”, acrescenta Isabel Soares, orientadora de Joana Silva e professora catedrática da Escola de Psicologia. As crianças com comportamentos de tipo inibido são mais retraídas, o que também é problemático em situações de dificuldade, uma vez que não conseguem pedir apoio. Os estudos têm mostrado que o comportamento indiscriminado é o mais difícil de reverter: 
“Muitos pais afirmam que os filhos adotivos continuam a apresentar este tipo de conduta”, explica Isabel Soares.


Adoção é a melhor solução
 
A longo prazo estes problemas de vinculação tomam proporções diferentes. Como refere Isabel Soares, as implicações na vida futura destas crianças dependem muito do que vai acontecer após a adoção, ou seja, dos cuidados e das oportunidades de crescimento que elas poderão ter. Neste estudo, o tempo médio de institucionalização foi de 11 meses, sendo que algumas crianças se encontravam em acolhimento institucional desde o nascimento. “Já é muito tempo”, afirma a professora. Quanto maior for o tempo de institucionalização, mais nefastas serão as suas implicações no desenvolvimento emocional, cognitivo, social e académico destas crianças. A experiência pós-adoção mostra que as crianças começam a apresentar índices de crescimento físico e cognitivo próximos daquilo que é esperado em função da idade. Proporcionar um ambiente familiar com estabilidade nos cuidados e com afeto é, segundo as psicólogas, a melhor forma de intervenção para resolver muitos destes problemas.
 
Para além de as experiências pré-institucionais assumirem um papel fulcral na capacidade de relacionamento das crianças, a qualidade dos cuidados prestados nos Centros de Acolhimento Temporário também merece uma atenção especial. “A institucionalização não reúne as condições mínimas para o desenvolvimento adaptativo de um bebé, que precisa de um cuidador estável, disponível, sensível e focado nas suas necessidades. É com esta interação repetida que se vai criando uma relação de vinculação”, explica Joana Silva. Embora as instituições portuguesas tenham vindo a melhorar e “sejam globalmente melhores” face às da Europa de Leste, os problemas ligados à qualidade relacional e à disponibilidade emocional dos cuidadores perduram: “É impossível proporcionar numa instituição o mesmo tipo de cuidados dados no contexto familiar, até porque os recursos são escassos, muitas vezes por motivos económicos. Existe já um esforço no sentido de individualizar os cuidados, atribuindo um cuidador primário a cada criança, procurar diminuir a rotatividade para aumentar a consistência da prestação de cuidados e proporcionar formações aos técnicos”, adianta a investigadora.



[Originalmente publicado aqui]

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